Olhei para seus olhos. Ou
imaginei que olhava para dentro daquela imensidão, porque metade de mim queria
que aquilo fosse real e a outra metade suplicava para que eu pudesse estar em
casa, longe de tudo e de qualquer coisa que me fizesse fazer o que eu não
queria. Diante de mim uma boca suplicava em ser beijada. Conseguia sentir o
hálito quente e adocicado do último gole do vinho que havíamos provado logo
cedo. Não culpo minha bebedeira pelos atos que aconteceram, mas os meus
instintos eram maiores do que minha sensatez e puritanismo.
Uma mão forte me agarrou e me
puxou para perto, onde o aperto que quase me deixou sem ar foi o suficiente
para sentir algumas coisas a mais. Tentei me concentrar na parte de cima, na
boca, que me encarava e pronunciava palavras desconexas que mesmo que eu
entendesse não significariam nada ao que se passava em minha cabeça. Além disso,
eu podia ver os outros contornos, uma sobrancelha bem desenhada, olhos
castanhos diferentes dos meus e impenetráveis, incapazes de saber a verdadeira
razão daquilo tudo estar acontecendo. A mesmo mão que me puxou, agora descia
por entre as minhas costas, provocando-me arrepios até a base da minha coluna. Talvez
quisesse causar efeitos em mim, o que realmente foram notados, mas isso não significa
nada. De certa forma sempre fui alheio a proximidades, ao contato de estranhos,
não exatamente os estranhos que me excitavam, o que é esse caso. Mas
aproximações representam metade daquilo que nos falta à compreensão. É como ser
jogado montanha abaixo com a simples possibilidade que uma avalanche esteja ao seu
encalço. Talvez a avalanche seja mais proveitosa que um par de olhos e um belo
sorriso te incriminando para algo que você realmente deseja.
Mas eu pude sentir aqueles lábios
juntos aos meus. Primeiro apenas um mero beijo, rápido e vacilante como se o
contato dos lábios fosse o suficiente para provocar uma sensação contraria ao
que era esperado. Depois veio o segundo beijo, rápido, mas ainda não tão rápido
quando o primeiro, esse na tentativa de mostrar a mim que realmente eu queria
aquilo mais que nunca.
Mordi meus lábios. Salivei. Não
consigo mirar nada além daquela carnosidade. Queria mais, queria mais apesar de
não querer mostrar que queria aquilo.
O terceiro beijo foi mais
profundo. Mais molhado, uma vez que sua língua tentava se encaixar com a minha.
Eu não conseguia respirar, queria apenas que o mundo acabasse ali, que minhas
emoções se sobressaíssem aquele momento e que minha vida fosse extraviada para
outra dimensão longe de todos os meus problemas e para bem perto daquele beijo.
Meu corpo estava mais colado ao outro e conseguia sentir todas as reações que
podia produzir somente com aquela dose. Aquele momento. Podia sentir a
intensidade da pele mal cuidada em contato com a minha, os poros abertos,
arranhando-me numa sensação de prazer e entrega.
E o que eu podia fazer?
Nada. Nada comparado ao que a
maioria das pessoas ao meu redor me provoca.
Tenho esse prejuízo intimo
instaurado dentro de mim. Essa maldição de carregar em meu interior uma parte ínfima
de cada pessoa, que me machuca e me deixa num estado de dependência que é impossível
de ser controlado.
Mas não queria ainda pensar em
minha maldição. Queria apenas saber daquele beijo. Que, além disso, me
despedaça e leva um pedaço de mim, me deixando incompleto e sentimentalista.
Não tem nada a ser feito. Apenas
se tem que aguentar as conseqüências daquilo que escolhemos.
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